Comendo fora 2 minutos 11 Junho 2021

Comida em casa

Sopas revigorantes, horta renovada, o pão da paciência: como a cozinha doméstica de quatro chefs se transformou nos últimos meses

Se engana quem pensa que 2020 e 2021 são anos em que o mundo viveu em compasso de espera: muita coisa aconteceu e seguirá em transformação. Se para alguns, os dias têm passado acelerados, outros tantos aproveitaram para mudar hábitos. É fato que a casa ganhou protagonismo nesses dias de isolamento e muita gente passou a dar mais valor ao ambiente doméstico. E, de forma quase unânime, a cozinha de casa “sentiu” os novos tempos. Até mesmo o fogão dos chefs notou a diferença.
Crédito: Júlia Abs/Divulgação

“A pandemia chegou e mudou a vida do planeta”, conta Viviane Gonçalves, que comanda o ChefVivi, O Prato MICHELIN de São Paulo.
Para ela, o período coincide com uma tentativa de entender o que somos, o que queremos daqui para frente. “Estou, a cada dia que passa, mais conectada com esse movimento. O que importa é o aqui, o agora. Tenho pensado muito em como meus atos diários se refletem na minha culinária.”

Viviane, que faz comida todos os dias em casa, afirma que tem cozinhado muito mais legumes e verduras no último ano. A horta caseira foi regenerada. Adotou uma dieta muito menos carnívora e, no café da manhã, tem evitado glúten. “Tenho usado mais a tapioca, por exemplo. Estou muito feliz com essas mudanças. Nunca pedi delivery, acredita? Amo o ato de alimentar minha família e tem sido um elixir, nesse momento que estamos passando.”

Curiosamente, ela repara que tem feito dois tipos de cocção: ou recorre à rapidez de uma panela bem quente, como a wok, ou deixa legumes cozinharem bem lentamente, com pouquíssimo tempero e intervenções. Também tosta folhas verdes: “trouxe isso da China e tenho aperfeiçoado isso em casa, o que acaba depois sendo levado para o restaurante”. Ela conta que aprimorou uma receita de cenoura caramelizada de cocção bem lenta, “com um fiozinho de óleo e manteiga, para soltar toda a potência dela.”

Lentilha, legumes e ovo de panelinha a vapor de Ana Castilho - Arquivo Pessoal

Mais uma cozinheira que conta ter diminuído o consumo de carne vermelha nesses últimos tempos foi a mineira Ana Castilho, à frente do Aprazível, O Prato MICHELIN do Rio. Embora viva sob o calor escaldante da cidade, a chef confessa que recorreu muito às sopas, especialmente à noite, além da comida mineira que dá o tom da culinária do restaurante. “Uso todas as aparas para fazer o caldo. A bem dizer, passei 2020 quase todo sem comer carne. Esse ano é que vim a comer, acredita? A proteína que uso na sopa é o ovo pochê, que faço numa panelinha.”

Como passou meses a fio com atividade física muito limitada - “às vezes só pegava para dar uma volta no quarteirão” -, Ana entrou, sem se dar conta, numa dieta mais peixeira, porque tem amizade com um excelente fornecedor. “Plínio, um pescador e peixeiro muito bom, trazia em casa muito peixe fresco, que eu preparava assado, principalmente. Também cozinhei muito frango orgânico, mas teve dias que era só ovo mesmo.”

Pão sourdough feito por Thomas Troisgros

Thomas Troisgros tem a resposta na ponta da língua. A mudança em sua cozinha acompanhou a tendência mundial e o dono da brasserie Le Blond, O Prato MICHELIN no Rio, resolveu virar padeiro na pandemia, testando várias receitas de pão de fermentação natural. Outra mania nesses últimos meses foi fazer arroz frito, à moda coreana.

Henrique Schoendorfer, do Ristorantino - Arquivo Pessoal

No começo, Henrique Schoendorfer garante que “pedia comida em tudo quando é canto”. Depois, passou a brincar mais na cozinha. Chef do Ristorantino, O Prato MICHELIN de São Paulo, Henrique conta que chegou a “trocar marmita” com chefs amigos, em 2020 - Luiz Felipe Souza, do uma estrela MICHELIN Evvai, lhe mandava massas; com Tsuyoshi Murakami, do restaurante homônimo (O Prato MICHELIN), recebia sushis.

“Depois que a gente viu que não eram só 15 dias de isolamento, comecei a ficar meio inquieto em casa. Por um tempo, fiquei muito apegado à culinária asiática, porque amo as robatas. Fiz espetinho com vários ingredientes. Gostei dos que fiz com camarão e um outro, mais ‘Oriente ‘Médio’, com frango marinado com iogurte e páprica, levado à grelha.”

O que acabou incorporando de vez na rotina foram as incursões e testes culinários semanais, no seu dia de folga. “Agora ando mais nostálgico. Como minha família é austríaca, ando com saudade do goulash da minha mãe e já fiz algumas vezes. Porco na lata, que também tem tradição forte lá, também andei fazendo”.

E conclui: “nessa pandemia, deu tempo de passar por algumas fases.”

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