Fique por dentro 2 minutos 26 Fevereiro 2020

A importância da lenha certa no sabor da comida

Ela é muito mais do que apenas fonte de calor

A lenha traz dois elementos distintos ao processo de cozinhar: calor e sabor. Portanto, qualquer madeira não serve. A lenha correta ajuda o chef a atingir os sabores e as temperaturas ideais, e acaba por assumir o papel de ingrediente “não tão secreto” em algumas receitas. É por isso que muitos cozinheiros são tão exigentes quanto à madeira usada em suas grelhas e fogões - e é também por isso que eles se esforçam tanto para conseguir a melhor lenha possível.

Antes mesmo de abrir seu Kith/Kin em Washington, nos Estados Unidos, o chef executivo Kwame Onwuachi queria colocar frango condimentado jamaicano em seu menu. Para conseguir o sabor exato da receita original, ele sabia que precisaria buscar um tipo de lenha muito específico. “Dizem que, se o frango não é defumado com lenha pimento - típica da Jamaica - não pode ser chamado de condimentado”, diz.

Ele conseguiu que um fornecedor na Jamaica enviasse a lenha até ele, nos Estados Unidos. Os resultados são evidentes. “A lenha adiciona uma nota de sabor calorosa”, diz Onwuachi. “A lenha pimento já esteve em falta, mas é nítida a diferença quando usamos lenha de mesquite ou de macieira. Não é a mesma coisa” confessa o chef.

Para Onwuachi, todos ganham com o uso da pimento. “A ideia de colaborar, de alguma forma, com a economia da Jamaica, é um ponto de orgulho para mim".

No Bress Heart, em Chicago, o chef Matt Kerney gosta do sabor distinto da lenha de figueira - entre o fim do verão e o começo do outono, ele vai até a fazenda Seedling para buscá-la. “Eu uso a lenha de figueira em tudo que, normalmente, pediria lenha de macieira ou de mesquite”, afirma. “Ela confere ao prato uma nota frutada, além de um toque sutil de defumação”.

Procurando adicionar uma leve picância à salsicha e ao pato desfiado, o chef Nathan Richards, do Cavan Restaurant and Bar, em Nova Orleans, passou a defumar as carnes com lenhas pecan e hicory - árvore típica nos Estados Unidos - e finaliza no fogo obtido a partir das madeiras de barris de Tabasco.

O chef Tim Love sempre tem um punhado de lenha à mão no Woodshed Smokehouse, em Trinity River, no Texas, para alimentar seus três defumadores, suas duas churrasqueiras e suas duas grelhas. A lenha hicory confere um acento de bacon e uma cor avermelhada ao brisket e ao cordeiro. A pecan, por sua vez, fornece sabor de nozes a aves de caça e à carne de porco.

O carvalho dá a qualquer proteína um sabor suavemente defumado, enquanto o elemento doce da mesquite é adequado a carnes de sabor marcante, como cordeiro e pato.

Quase metade das receitas do menu do Poggio Trattoria, em Sausalito, na Califórnia, é feita sobre lenha. Seja assando pernas de cordeiro ou pizza napolitana, grelhando bifes, defumando lagostas ou carbonizando radicchio, o chef Benjamin Balesteri usa lenha de carvalho branco, espécie cultivada na fazenda Bear Bottom, perto de Richmond.

A madeira confere um equilíbrio perfeito de sabores defumados e temperaturas elevadas, que podem atingir os 500ºC. Para criar esse calor tão intenso, o segredo é usar madeira bem seca. Balesteri se certifica que sua lenha tenha apenas 20% de umidade. “Se a madeira está úmida demais, ela não queima da maneira correta, faz muita fumaça e não atinge a temperatura necessária”, explica ele.

A quantidade de água na lenha também impacta diretamente o sabor da comida. Franco V, do New York City’s Holy Ground, um speakeasy subterrâneo especializado em churrasco, que utiliza lenha de carvalho, de cerejeira e madeira de bordo, vindas de uma fazenda em Nova Jersey. Os madeireiros cultivam as espécies a céu aberto por três a seis meses - o processo dá à lenha mais umidade, cerca de 25%. “Essa quantidade é ideal para dar um sabor defumado mais marcante nas carnes”, diz Franco V. “Quando a madeira é cultivada e, depois, seca em um forno, a umidade fica abaixo dos 20%. Essa umidade baixa prejudica a produção de fumaça e, portanto, o defumado não fica tão marcante”.

À medida que a técnica de cozinhar com fogo aberto se populariza entre os restaurantes mais conceituados dos Estados Unidos, os chefs reconhecem a importância de ter um fornecedor de lenha fiel - do mesmo jeito que eles possuem fornecedores de carnes, por exemplo.

Embora os chefs tenham aprendido muito sobre o uso da lenha certa para conduzir o desempenho da receita - e também seus sabores -, ainda precisam lidar com a inevitável imprevisibilidade que surge quando, literalmente, se brinca com fogo. “Às vezes, há problemas que simplesmente estão fora do nosso controle”, afirma Balesteri.

No fim das contas, o método mais primitivo de cozinhar - utilizado há 2 milhões de anos, segundo algumas estimativas - ainda tem espaço para ser aprimorado. Como quase tudo.

Escrito por Nevin Martell
Nevin Martell vive em D.C., nos Estados Unidos, é especialista em gastronomia, escreve conteúdos para pais e mães e é autor de livros de receitas. Suas três sobremesas favoritas são: a torta merengue de limão de sua avó, o pudim de caramelo e a manteiga de amendoim da Reese’s.

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