Novidades 3 minutos 08 Julho 2021

MICHELIN do Campo à Mesa #5

Se o prato supera todas as expectativas, pode apostar: tem bons ingredientes na receita

Quando decidiu se mudar para o Rio de Janeiro, Alberto Landgraf fez um acordo consigo mesmo: nada de recorrer aos pratos de sucesso do Epice, restaurante célebre que comandou em São Paulo. A missão que se auto-impôs baseava-se em desafiar a si mesmo e à equipe, todos os dias, na cozinha do novo restaurante que planejava abrir.

Fugindo das soluções batidas, Landgraf abriu o Oteque, duas estrelas MICHELIN, e descobriu que, nem se quisesse muito, teria condições de replicar as experiências paulistanas na capital carioca. Não só o público é outro como a cadeia produtiva é diferente. E, embora seja desafiador criar sem parar, esse é o melhor dos mundos para um cozinheiro que preza a qualidade e a excelência.

A casa, aberta em 2018, segue essa lógica até hoje. A única exceção, diz Landgraf, é a entrada de brioche com sardinha e cebolas assadas com ouriço e creme de mexilhão - sabores dos quais Landgraf sentiu saudade e resolveu adaptar no Oteque.

Sardinha, no Oteque. Foto: Rodrigo Azevedo/Divulgação

Landgraf é taxativo em relação à pergunta. “Se o campo define o que levo à mesa? Sem dúvida, define 100%”, afirma. Ele conta que uma das tarefas prazerosas de sua rotina é visitar o circuito de feiras orgânicas da cidade, semanalmente.

Apesar de soar simples, há algo capcioso sobre o campo determinar não só o que vai à mesa, mas a qualidade do que é servido. A agricultura, as plantações, as hortas, os pomares, as criações de aves, bois e peixes, nada disso é um conceito mítico, descolado da realidade da vida das pessoas.

“A gente sempre busca o melhor ingrediente, e hoje no país, nas maiores cidades, temos produtos de qualidade. Mas me parece que o mais importante está sendo esquecido, que é o fator humano. Na maior parte das vezes, o pequeno produtor é o que menos tem condições financeiras de fornecer o melhor ingrediente. É fundamental conhecer e reconhecer os bons produtores, garantindo um pagamento justo, uma cadeia de trabalho ética, plantando o que quer que seja. Precisamos dar mais atenção às pessoas”, crê o chef.

De Norte a Sul do Brasil

Alex Atala, do D.O.M., um dos restaurantes mais celebrados do país e duas estrelas MICHELIN, afirma que a sazonalidade dos ingredientes impõe, por si só, um bom desafio ao chef. “A gente fica muito de olho nos ingredientes que a estação nos traz e, quando falamos de ingredientes da Amazônia, temos que fazer uma conta de logística, de tempo, de perecibilidade e até de impacto ambiental”, enumera.

O chef Alex Atala, do D.O.M. Foto: Marcus Steinmeyer/Divulgação

A conta humana, diz Atala, precisa ser feita sempre. Trazer um ingrediente da Amazônia para São Paulo é ecologicamente custoso - transporte, logística, mas também significa valorizar a cultura local, fortalecer a cadeia produtiva, reforçar econômica e socialmente as famílias produtoras. Hoje, ele tenta sempre equilibrar todas essas variáveis “na equação que se chama D.O.M. e Dalva e Dito , O Prato MICHELIN”. 

Pirarucu com purê de banana-da-terra e legumes assados do Dalva e Dito. Foto: Fernando Ctenas/Divulgação

Atala elenca: a pimenta baniwa, o cogumelo yanomami, os arrozes do Vale do Paraíba são ingredientes sempre presentes no cardápio e parte de seu projeto no Instituto ATÁ, mas ultimamente há dedicação redobrada em ingredientes que instigam e fascinam a equipe: o mel das abelhas brasileiras e o pirarucu. Agora para o inverno, a equipe de cozinheiros também se debruça sobre pinhão e erva-mate, bastante consumidos no Sul do país.


“Outro dia eu falei brincando que a gente perde muito tempo em pesquisa e eu descobri que estava empregando mal uma palavra. A gente não perde tempo. A gente faz investimento em pesquisa e vem aprendendo cada vez mais que os biomas brasileiros são um universo infindável de pesquisa, não só para um cozinheiro, não só para um restaurante, mas para toda uma geração debruçada sobre as possibilidades brasileiras. Só uma geração não bastará!”

Sabores do outro lado do mundo

Impossível dissociar o campo (ou rios e mares) da lida de Edson Yamashita, que comanda a cozinha do Ryo Gastronomia, duas estrelas MICHELIN de São Paulo.

O chef Edson Yamashita, do Ryo Gastronomia. Foto: Divulgação

Como boa parte da culinária japonesa fria depende de ingredientes de produção regular e distinta - arroz, peixes, temperos -, Edson está sempre testando produtos. “A gente só oferece o que está excelente no dia e, com isso, tem muita alteração no menu. Um ingrediente que não pode faltar é o arroz japonês, que importamos dos EUA e do Japão, ou do Uruguai”, explica ele.

Brioche servido no Ryo Gastronomia. Foto: Divulgação

O melhor dos mundos, claro, era comprar de algum fornecedor local. E Edson tem tentado fortalecer esse contato com produtores interessados em investir nessa produção “premium”.

Em Santana de Parnaíba (SP), por exemplo, já conseguiu desenvolver com um agricultor local a variedade de arroz japonês para gohan (o arroz temperado dos sushis), conhecido como koshihikari. A primeira colheita aconteceu este ano.

Recentemente, começou a dialogar com um possível fornecedor de wasabi, tipo de raiz-forte cultivada em áreas submersas ou mais úmidas que dá pungência em pratos da culinária japonesa.

“Ainda estamos na fase dos testes, porque para cultivar wasabi é preciso ter um clima ameno, e água corrente e fria circulando nas imediações. Por enquanto, ele está procurando uma região para tentar plantar. Está entre Americana [interior de São Paulo] e o sul de Santa Catarina”, explica Yamashita.

Tudo que serve é resultado de bons cultivos. Edson destaca, nesse sentido, o brioche (pão de Hokkaido) que produz no restaurante, servido com uma maionese de peixe, ovas de bacalhau e por cima lâminas de atum, brotos de nabo, um toque de gergelim e caviar. Um trabalho de equipe do mar, do campo e da cozinha, entregando o ápice desses ingredientes aos comensais.

Para conhecer criações de chefs do Brasil e de outras partes do mundo, acesse @michelinguide no Instagram e... bon appétit!

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