Uma das características mais especiais de Portugal é o facto de, apesar de ser um país relativamente pequeno em termos de dimensão, encerra em si uma quantidade quase infinita de realidades e paisagens — no espaço de um dia pode ir de uma montanha com neve até uma praia solarenga, tudo a umas horas de distância. E claro, a paisagem gastronómica acompanha a natural, mudando radicalmente quase de quilómetro em quilómetro. A zona costeira já dispensa apresentações — a sua fama é mundialmente reconhecida. Mas o seu interior é um diamante à espera de ser descoberto e por isso mesmo não há melhor alternativa que este roteiro pela verdadeira identidade de Portugal.
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Arrancando a norte
Comecemos no extremo norte, quase junto à fronteira com Espanha, na região de Chaves. É neste município que se encontra a pitoresca vila de Vidago. Reza a lenda que desde o tempo dos romanos que aqui se tomam banhos em águas termais, conhecidas pelas suas propriedades relaxantes e medicinais. A pérola desta localidade é o icónico Vidago Palace, imponente hotel construído em 1910 que continua a ser um marco de elegância e bom serviço. Depois de ir a banhos — pode fazê-lo no complexo do hotel, claro — e de provar os típicos pastéis de Chaves (iguaria da região que consiste num pastel de massa folhada recheado de carne) que encontra em qualquer pastelaria, passe aqui uma noite tranquila antes de seguir viagem.
O caminho continua para sul. A paisagem onde o verde predomina só é interrompida por ocasionais formações rochosas. Vacas, ovelhas e cabras cruzam o caminho, tantas e tantas vezes empoleiradas nos ligeiros montes que também caracterizam esta região. A pouco mais de meia hora de carro do Vidago chegamos a Vila Real, cidade importante do norte do país, onde se encontra o restaurante Cais da Villa. Liderado pelo jovem chef Daniel Gomes, este estabelecimento que já tem mais de dez anos de funcionamento (inaugurou em 2011) é um poiso sofisticado e elegante onde pode provar alguns petiscos e pratos compostos, sempre inspirados no rico receituário de Trás-os-Montes. Localizado num antigo armazém ferroviário, possui ainda uma zona de wine bar e esplanada. Depois de aqui comer, aproveite para desmoer no belíssimo Parque Natural do Alvão, também nesta região, antes de seguir caminho.
E já com a famosa paisagem do rio Douro nos olhos que chegamos a Lamego. Esta cidade do interior norte de Portugal é riquíssima não só em termos históricos — teoricamente foi aqui que no século XII D. Afonso Henriques foi aclamado como o primeiro Rei de Portugal — e religiosos — o Santuário de Nossa Senhora dos Remédios é um marco incontornável da cidade — mas gastronómicos também, muito graças à longa tradição de queijos, vinho e enchidos. A escolha óbvia para quem aqui quiser passar uns tempos é o hotel Six Senses Douro Valley. Bem junto ao rio Douro, este alojamento é considerado um dos melhores do país e fica localizado num antigo solar do século XIX que foi totalmente remodelado de modo a transmitir a experiência de descobrir o interior norte português, mas com toda a comodidade do século XXI.
Rumo ao centro
A estrada continua a levar-nos para baixo, agora com as encostas íngremes do vale do Douro para trás e com uma zona de planalto verde a surgir no seu lugar. Estamos cada vez mais perto do centro de Portugal e por isso a cidade de Viseu é paragem obrigatória. Com uma charmosa zona antiga histórica, pautada por edifícios de pedra, um dos destaques maiores desta cidade mora a uns poucos minutos do centro, numa zona rural onde a vinha é cultura dominante. Falamos da Mesa de Lemos, restaurante inserido na Quinta de Lemos, com uma Estrela MICHELIN desde 2019, e que mais recentemente conquistou uma Estrela Verde MICHELIN, em 2022. Orientado pelo talentoso chef Diogo Rocha, um filho da região, neste sofisticado edifício presta-se homenagem não só aos produtos e sabores desta zona, mas a todo o Portugal. Rodeado de vinha e natureza, é um oasis de sofisticação. Mais no centro de Viseu há outro restaurante digno de nota, o Flora. Num registo bastante mais descontraído e contemporâneo, encontramos os pratos do chef João Guedes e as sugestões vínicas de Anna Guedes. A abordagem sazonal e consciente à comida e aos vinhos é sem dúvida uma das razões pelas quais este espaço foi reconhecido com o Bib Gourmand em 2024.
A zona da Serra da Estrela, o ponto mais alto de Portugal continental, também é um local com uma paisagem natural única, onde o granito se entrelaça com a vegetação e o céu parece infinito. Na nossa descida pelo interior de Portugal vale a pena parar nesta região, mais concretamente em Seia, para descansar e respirar o ar puro da serra no Casas da Lapa, Nature & Spa Hotel. Localizado numa encosta, este hotel boutique de apenas 15 quartos é o local ideal para desligar e fugir da confusão da cidade — e para isso ajuda bastante os vários tratamentos que encontra no SPA deste estabelecimento.
Em Abrantes, outra localidade do interior que há muito merece ser devidamente descoberta, mora mais uma sugestão gastronómica imperdível — não estivéssemos a falar de um Bib Gourmand. Que se desengane quem pensa que restaurantes com forte matriz regional não podem ser sofisticados ao mesmo tempo, basta ver este caso, o da Casa Chef Vítor Felisberto. A elegante sala de refeições e refinada apresentação dos pratos faz um contraste interessante entre a matriz gastronómica essencialmente tradicional da comida que é servida. Não falta o cabrito assado no forno ou o polvo à lagareiro, por exemplo — tudo regado com uma vasta seleção de vinhos portugueses.
Sul à vista
Daqui para baixo voltamos a ter mais uma grande diferença de paisagem e clima. À medida que entramos na grande região do Alentejo, o tempo fica mais quente e seco enquanto o verde da vegetação dá lugar ao amarelo da erva dourada. Chegamos também à zona de relevo menos acidentado do país, as famosas planícies alentejanas. Uma paragem interessante surge logo no Crato, terra pacata onde pode ficar alojado num belíssimo castelo do século XIV, a Pousada do Crato. Este verdadeiro monumento foi convertido num hotel totalmente moderno onde pode ficar a apanhar sol e a dar mergulhos junto a muralhas com centenas de anos. E quando a fome chegar, nada como dar um salto à especial povoação de Marvão, uma antiga cidade murada que fica no topo de uma ligeira colina, onde se encontra o fago. Este restaurante dedica-se aos sabores regionais, mas tudo com uma sofisticação e contemporaneidade que faz dos seus pratos quase obras de arte — tudo sem entrar em grandes formalismos.
Ainda no Alentejo, mas um pouco mais a sul, em Montemor-o-Novo, encontra um restaurante chamado PODA — mais outro Bib Gourmand. Os jovens chefs João Narigueta e Miguel Dominguinhos, alentejanos e amigos de longa data, juntaram-se para criar este espaço onde a comida tradicional alentejana é renovada com produtos, técnicas e apresentações contemporâneas, tudo num antigo armazém agrícola que foi totalmente restaurado.
Finalmente chegamos ao Algarve, uma das regiões turísticas mais populares de Portugal, mas que ainda reserva alguns segredos por desvendar, principalmente no interior, em direção à fronteira com Espanha. Um bom sítio para descansar e aproveitar as mágicas noites de verão do Algarve é a Companhia da Culturas. Um boutique hotel localizado em Castro Marim, pleno de natureza e tranquilidade, onde um dos maiores destaques é o seu hammam e a produção própria de frutas, vegetais e aromáticas com certificação biológica (produtos que usam de diversas maneiras um pouco por todo o hotel). Como também será sempre preciso comer, que tal terminar a viagem numa das mais recentes Estrelas MICHELIN de Portugal, o A Ver Tavira, que fica a poucos minutos da Companhia das Culturas e é um bastião da excelência gastronómica expectável para um espaço de fine dining, mas com os pés bem assentes nos produtos e receitas típicas do Algarve.
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Imagem de capa: © A Ver Tavira
