Perfis 3 minutos 12 Maio 2021

Não adianta, não é inglês

Um inspetor inglês do MICHELIN analisa a língua da gastronomia.

Bon appétit! Guten appetit! Buon appetito! Buen provecho! – todas variações da mesma saudação que nossos vizinhos europeus usam quando estão prestes a começar uma refeição. Os japoneses dizem itadakimasu; em cantonês é sik faan; em mandarim, chi fan; e na Coreia eles vão de jal meokkesseumnida – todos traduzidos livremente “vamos comer!” ou “vou comer bem!”

Nós, pobres britânicos, nos esforçamos para criar nossa própria versão. Tentamos confiscar o “Bon appétit!”, mas isso nos fez parecer afetados, e muitos prefeririam desistir da comida a serem considerados pretensiosos. Então, o que pode ser usado no lugar? O nada convincente “aproveite sua refeição” até tem alguma tração, mas soa menos como uma promessa de indulgência e mais como o prelúdio para um café da manhã de dia inteiro no Wimpy [fast-food inglês]. Mas, qual é a alternativa? Alguns preferem maior concisão e adotam o imperativo “aproveite!”, mas também soa como uma ordem que você teme ser complementada por uma repreensão como “e sente-se ereto, pelo amor de Deus!”.

Quando se trata da língua culinária dominante deste lado do mundo, os franceses simplesmente chegaram lá primeiro.

De “à la carte” a “chef de partie”, de bain-marie (banho-maria) a flambé, de soufflé (suflê) a millefeuille (mil-folhas) -- tantas palavras que usamos são deles, não nossas. Do lado inglês, emprestamos a eles os mais prosaicos “le parking” e “le sandwich”, então os linguistas franceses não precisam se sentir tão ofendidos.

Suflês La Passagère - Hotel Bellerives

Agora que a Inglaterra ostenta uma cena própria de restaurantes mundialmente renomados nos afastamos bastante dos menus macarrônicos do passado. Hoje em dia, as descrições são todas sucintas e elegantes -- algumas mencionam, com segurança, nada mais que o ingrediente principal. Porém, ainda é possível encontrar vez ou outra uma descrição floreada de um prato ou, pior ainda, trocadilhos belicosos: um ponto baixo pessoal foi ter visto um menu anunciar uma “apreensão de salada”. Os sábios entendem que procedência é tudo no cardápio, mas isso pode ir longe demais -- ninguém precisa saber de onde vêm as almofadas ou quem fabricou as colheres. E, é claro, colocar a palavra “artesão” em algum lugar faz milagres.

Hotéis-fazenda e campos de críquete insistem, com teimosia, no anacronismo que é usar o termo repasto. Quando se tenta distinguir jantar, chá da tarde ou ceia, é possível se ver confuso durante um bate-papo difícil sobre classes sociais e o que Sigmund Freud chamou de “o narcisismo das pequenas diferenças”. Até mesmo a expressão “restaurantes finos” parece ser usada meramente por falta de alternativa. No final das contas, é uma frase que francamente não faz sentido – comida boa é sempre boa comida, independentemente do estilo ou do ambiente em que ela for servida?

Lord's Cricket Ground em Londres


Falando em ser pretensioso, quando voltei para o Reino Unido depois de passar um bom tempo nos Estados Unidos, comecei a pedir o “total” ("check") em vez da conta ("bill"). Meu raciocínio era de que todos nós já temos contas demais em nossas vidas -- gás, telefone, veterinário -- e é uma palavra tão mundana para encerrar a noite de pedidos desenfreados. O que eu não trouxe da América foi o hábito de enfatizar a segunda sílaba de sorbet ou pronunciar “risoto” daquela maneira estranha.

Por falar em diferenças de idioma, uma vez passei por um turista alemão em Hong Kong que exibia com orgulho sua tatuagem recém-criada no bíceps, que ele sem dúvida imaginou dizer algo profundo e espiritual. Minha colega chinesa mal conseguiu esconder seu deleite: “Eu me pergunto quem vai dizer a ele que só está escrito ‘cozinha’ em chinês”. Um colega francês com quem eu jantava declarou que sua sobremesa era muito “esponjuda”. Tive de dizer a ele que, infelizmente, não era uma palavra real, mas que realmente devia ser.

Os britânicos são extremamente diretos quando se trata de comida. Desconfiamos do uso da emoção ao descrever um ótimo prato e ficamos muito mais felizes usando metáforas sexuais (tão sedutoras) ou narcóticas (tão viciantes). Felizmente, quase paramos de usar metáforas alimentares ao discutir sexo. Inglês simplesmente não é a língua da comida, mas isso não nos preocupa nem um pouco. Entendemos que suas particularidades e expressões idiomáticas significam que não é a língua mais fácil ou lógica de se aprender -- se fosse, palavras parecidas, como gato e rato, seriam pronunciadas da mesma forma. Não, estamos bem satisfeitos por roubar palavras de outras línguas, distorcer sua pronúncia e torná-las nossas.

De qualquer maneira, como nação, nossa configuração padrão é buscar sempre uma risadinha. Nos aeroportos, não consigo ouvir as palavras bagagem de mão (carry-on luggage) sem pensar em Sid James [comediante, conhecido por seus inúmeros papéis na série “Carry On”, nos anos 1950]. Os crepes sempre nos farão rir: a palavra lembra “crap” que, em inglês, significa “porcaria”. Nem preciso mencionar “spotted dick” ou os “dorset knobs” – respectivamente, bolinho e biscoito ingleses - termos que, em inglês, têm duplo sentido.

O romancista britânico Kingsley Amis afirmou que as palavras mais deprimentes na língua inglesa eram “devemos continuar?", embora na situação atual muitos concordem com a escolha do dramaturgo e colunista Keith Waterhouse, que diz que ainda pior é: “Já que está acordado…”. Mas, e quanto às palavras mais atraentes? Para Henry James, escritor, as melhores são “tardes de verão”. Para mim, as cinco palavras mais bonitas da língua inglesa são, de fato, aquelas relacionadas à comida – e espero ouvi-las novamente em breve:

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Escrito pela equipe editorial do Guia MICHELIN do Reino Unido (UK)

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