Quem pensa que água e óleo não se misturam nunca deve ter parado para pensar no milagre que é a maionese. Feita da junção de ovos e um tipo de gordura (pode ser óleo de qualquer tipo ou azeite), além de sumo de limão ou vinagre, ela é um dos molhos espessos mais famosos da gastronomia.
Na verdade, nem precisamos ir tão longe. Produtos que conhecemos no dia a dia, como o leite e a gema do ovo, já são misturas de partículas oleosas em água, ou de gotículas de água em óleo. A olho nu, parecem substâncias homogêneas, de uma só cor e textura. Em visão microscópica, entretanto, é possível ver gotículas “boiando” em uma fase contínua que parece mais espessa.
Mas, por que será que juntar água e óleo num copo não parece dar certo, mesmo agitando bem? Por que o leite parece tão estável?
O segredo para a aparente estabilidade das emulsões está na quantidade de água e gordura que se tenta juntar, e a temperatura em que são mantidos. Aliás, o jeito certo de definir esta aparente mágica é dizer que se trata de uma “dispersão” de líquidos: quando se batem óleo e vinagre, por exemplo, a parte líquida do vinagre vai se fragmentando no óleo.
Se as substâncias fossem compatíveis, elas se dissolveriam uma na outra, e não é isso que acontece. Basta deixar essa mesma mistura de óleo e vinagre parada: em pouco tempo, forma-se uma fase líquida (o vinagre) no fundo do copo. “Cada um deles forma uma única massa volumosa, de tal maneira que a área superficial exposta ao outro seja menor do que a da mesma massa fragmentada em gotículas”, explica Harold McGee no livro “Comida e Cozinha”.
Fazer emulsão dá trabalho. É preciso bater bem para reduzir ao menor volume possível os líquidos que se quer misturar, mas o mais importante é garantir qual líquido terá a “fase contínua” -- ou seja, qual será o líquido preponderante onde ficarão dispersas as partículas do outro. Na maioria das vezes, só dá pra saber a proporção ideal acrescentando quantidades muito pequenas daquilo que vai ser fracionado.
É por isso que, na hora de processar uma maionese, o óleo é vertido lentamente no liquidificador onde os ovos estão sendo processados. Se vier óleo demais, desanda.
Esse “casamento” segue instável, prestes a entrar em colapso. Para manter as coisas em ordem e a emulsão funcionando como uma mistura que pareça homogênea, meio leitosa, é importante manipular a temperatura e controlar a entrada do ar, que também é um elemento importante para dar estabilidade.
Na cozinha, muitos molhos surgem de emulsões que precisam ir ao fogo, além de serem agitados constantemente -- zabaione é um dos exemplos, feito da mistura de vinho doce (em geral, Marsala) e ovos.
O sorvete, por sua vez, nasce sempre de uma emulsão em baixas temperaturas: a máquina de sorvete procede quase como um liquidificador que processa e resfria as partes aquosas e oleosas. É por isso que muitos sorvetes levam emulsificantes, para que quando estiverem em temperatura ambiente ou derreterem, as partes não se separem em “fases” distintas.
A maioria dos restaurantes costuma processar sua própria maionese temperada, mas cozinheiros brincam de misturar óleos e água em diversas ocasiões, às vezes até anunciando no cardápio suas “emulsões”. Pode reparar.
O chef Luiz Santos conta que, no Maria e o Boi, Bib Gourmand do Rio, a maionese e o molho
da ceasar salad são feitos na casa, além do gelato de banana que acompanha uma das sobremesas. “Temos ainda uma emulsão muito gostosa com a gordura da costela e ervas que chamamos de ‘manteiga de costela’”, diz ele. Sim, manteiga, que precisa ser mantida gelada, também é uma
emulsão; no caso, o creme do leite batido, em muito maior quantidade, forma a fase contínua onde “boiam” gotículas de água.
No Oro, duas estrelas MICHELIN do Rio de Janeiro, Felipe Bronze serve um interessante sorbet de ostra com caipirinha e torresmo. Além disso, cria uma emulsão com o sumo de pimenta-de-cheiro e ervas com óleo de várias ervas e gema de ovo, no prato “Legumes, curry e café”.
Oro - Ostra, torresmo e caipirinha. Crédito Tomas Rangel.