Na botânica ela atende pelo nome de Manihot esculenta. No popular, recebe nomes diversos, tal sua onipresença em todo o território nacional. Pero Vaz de Caminha, o autor da famosa carta que apresentava a terra encontrada pela frota portuguesa nas Américas, a chama de “pão da terra”.
A mandioca tem mesmo estatura de alimento essencial, e merece ser celebrada. Não há discussão sobre cultura alimentar brasileira em que ela não esteja presente. Cultuada por variados povos indígenas, que a beneficiam de variadas formas desde a época do Descobrimento, a mandioca, além de tudo, é deliciosa.
Muitos desconhecem a riquíssima variedade de produtos derivados da mandioca, embora ela seja encontrada de norte a sul do país -- e além-mar, disseminada que foi pelos países africanos e asiáticos.
Neste 22 de abril, data que marca a chegada de Pedro Álvares Cabral à costa brasileira, celebra-se também o Dia da Mandioca. Em sua homenagem, destrinchamos seus principais derivados:
Para começar, a Manihot esculenta que conhecemos pode ser “brava” ou “mansa”. A olho nu, é impossível dizer qual é qual. A variedade brava, também chamada de mandioca de indústria, ou mandioca-amarga, precisa ser beneficiada para perder a toxicidade -- se sua raiz ou folha for ingerida in natura, pode causar envenenamento por ácido cianídrico. Indígenas aprenderam a tratá-la com diversos processos (moagem, prensagem, lavagem, secagem e até fermentação) para que ela pudesse ser consumida. Já a mansa pode ser consumida sem problemas, descascada, cortada em pedaços ou ralada. Em alguns lugares do país, a variedade mansa é conhecida como aipim, mandioca de mesa ou macaxeira.
Com origem entre os indígenas do Norte do país, a pubagem da mandioca-brava consiste em cortá-la e deixá-la fermentando com água corrente por alguns dias.
A mandioca puba (fermentada) apodrece, e é então ralada (muitas vezes, é apenas desmanchada com as mãos) e então prensada: a parte sólida dará origem às muitas farinhas ou vira, já nessa fase, ingrediente para bolos, doces e pães (massa puba ou carimã). A farinha d'água deriva da massa puba, levada para torrar. A farinha de Uarini (AM) servida com o pirarucu curado no missô do Banzeiro, Bib Gourmand de São Paulo, é farinha d'água boleada num equipamento próprio.
A Casa do Porco sushi de papada de porco - Mauro Holanda
A parte líquida da mandioca ralada (tanto a que foi fermentada quanto a mansa) se transforma em dois incríveis ingredientes, mas antes esse líquido precisa ficar em repouso para decantar. Uma parte branca começa a se acumular no fundo: é a goma (amido ou tapioca), que dá origem aos beijus de tapioca e polvilhos. O líquido amarelado vira tucupi, depois de temperado e cozido por horas. No Norte, é comum mantê-lo em garrafas plásticas e acrescentá-lo em caldos e cozidos. A Casa do Porco, Bib Gourmand de São Paulo, fabrica uma mostarda curtida em tucupi e também besunta seus sushis de papapa de porco com o tucupi preto, mais apurado.
No caso do polvilho, a diferença entre o doce e o azedo é trabalhada na indústria. O polvilho doce é apenas a goma resultante da decantação, depois de posta para secar. O azedo, com sabor mais ácido, deriva de um processo de fermentação da goma em água e depois secagem ao sol. Os dois polvilhos são usados na feitura do pão de queijo.
Comem-se também as folhas da mandioca. O cozimento “amansa” as toxinas (aqui também presentes) e, trituradas, viram maniva -- ingrediente básico na feitura da maniçoba, o ensopado de carne de porco servido durante o Círio de Nazaré, festa religiosa mais importante em Belém do Pará.