Muito já foi escrito e especulado sobre o trabalho dos famosos inspetores anônimos do Guia MICHELIN: como trabalham e como avaliam os restaurantes. Sabemos disso, principalmente, pelas conversas ouvidas em restaurantes, onde clientes e funcionários teorizam sobre nossos métodos. Lembro-me de uma mulher perguntando a seu companheiro: “Como é que se treina para esse trabalho?” Naquele momento, não pude deixar de sorrir por dentro, enquanto me camuflava ao fundo. Sim, a camuflagem é uma arte que aprendi a dominar para me tornar uma inspetora.
Foi difícil imaginar como seria minha vida ao dar início a esse trabalho singular, encarregada de descobrir e checar os melhores restaurantes do país ou, até mesmo, do mundo. Fui tomada por uma sensação de expectativa sem precedentes ao, finalmente, receber o endereço “secreto” do escritório, na noite anterior ao meu primeiro dia. Após as entrevistas iniciais, inconscientemente comecei a procurar apartamentos próximos à área onde minha primeira reunião fora realizada. Até perceber que o escritório não era próximo de onde imaginei e que, na verdade, eu havia recebido um endereço falso, usado apenas para as entrevistas.
Se o fato de conhecer meus colegas – os quais sempre imaginei à distância – já não fosse emocionante o suficiente, houve um almoço em grupo no primeiro dia de trabalho, durante o qual fui apresentada à equipe. E na sequência saímos para comer “no mundo real”, aplicando a metodologia do Guia.
Mapo tofu. Foto da Michelin América do Norte
Meu trabalho como inspetora é avaliar uma refeição com base na qualidade dos produtos, harmonia de sabores, domínio da técnica, personalidade do chef na cozinha e consistência dos pratos entre minhas visitas. Em seguida, resumo minhas experiências culinárias em um relatório detalhado. Certa vez, lembro-me de ter sido questionada sobre minhas aversões por comida, ao que respondi “tofu”. Certamente percorri um longo caminho desde então e hoje tenho orgulho de anunciar o mapo tofu (prato de origem chinesa também muito popular no Japão) como uma das minhas indulgências favoritas de todos os tempos.
Ao contrário da crença popular, não começamos jantando nos melhores restaurantes do mundo. Na verdade, minhas primeiras refeições incluíam de tudo, desde uma loja de macarrão em Chinatown até um bar de vinhos que oferecia pequenos pratos. Experimentar uma variedade tão diversa de culinárias me ajudou a estabelecer e identificar a linha de base de nossos benchmarks [ou referências] globais. Conforme discutíamos os méritos de cada refeição, tornava-se evidente como o Guia oferece a seus leitores uma seleção apurada – e não apenas uma lista – de restaurantes.
Para garantir um processo de treinamento abrangente, eu procurava estar próxima dos inspetores seniores em suas visitas. Se você já teve um encontro às cegas, sabe do que estou falando: imagine jantar com um total estranho durante horas, em vez de simplesmente tomar um café com ele. Além disso, fui instruída a aplicar, delicadamente, certos subterfúgios quando uma conversa envereda para o bom e velho “O que você faz?”. “Sou uma consultora”. Também aprendi como reservar uma mesa sob pseudônimo, configurar conta(s) de e-mail, coordenar meus planos de viagem e conseguir reservas em restaurantes quase sempre sem agenda. Outro aspecto crucial do treinamento envolve o tempo passado no exterior, aprendendo com nossos veteranos europeus. No geral, é uma abordagem prática e lógica, destinada a transmitir a experiência a partir de um paladar mais experiente.
Escrito por Inspetores MICHELIN