Comendo fora 3 minutos 11 Março 2020

No prato que comeu

Chefs explicam como a louça certa (ou errada) pode influenciar diretamente na experiência gastronômica

No Japão, a escolha das louças é tão importante que tem até um nome especial: moritsuke, que é a arte de se montar um prato de forma harmônica e bela. No Brasil, não temos uma palavra para expressar essa arte - mas nem por isso ela é menos importante por aqui!

A louça certa tem influência direta na boa (ou na má) experiência em um restaurante. O prazer de comer fora, afinal, não está só na comida: o atendimento, a decoração, os móveis e a iluminação, por exemplo, também contribuem – e muito - para uma experiência completa.

Assim também é com a louça. Já pensou receber um prato que foi montado em um prato pequeno demais? Ou perceber que a cor da louça está em desarmonia com a cor da comida?

E os pratos não não são decisivos apenas no visual da receita. Chefs de restaurantes indicados pelo Guia MICHELIN comentam como a escolha de suas peças influenciam na estética, mas também na funcionalidade do prato e até mesmo no conceito do restaurante.

Acompanhe:

Pancetta assada com molho picante, do Komah (Foto: Rubens Kato/Divulgação)


Bem na foto 

Uma das principais funções da louça é deixar o prato mais bonito. Mas encontrar o equilíbrio entre a estética da comida e a estética das peças nem sempre é fácil.

“Acho que não existe uma louça que seja exatamente errada, mas, com certeza, ela eleva a estética do prato”, comenta Paulo Shin, chef do Komah. “Eu costumo usar bastante louças coloridas e escuras, principalmente marrons e verdes. Acho que elas harmonizam bem. Mas, claro, a louça não pode roubar a estética da comida em si”.

E é justamente pela disputa entre louça e comida que alguns chefs preferem optar pelas cores mais neutras. “Acho que louças foscas e neutras dão mais destaque à comida e ainda possibilitam várias montagens diferentes no mesmo prato”, considera Pedro Siqueira, chef do carioca Puro. “No restaurante, temos uma linha de louças que permite montar todos os pratos em cima de quatro ou cinco formas”.

A escolha da cor e do formato da louça também depende do gosto de cada chef e, claro, do conceito que o restaurante quer apresentar. Apesar de ser mais fácil trabalhar com cores neutras, uma louça colorida também pode trazer vantagens.

“Sempre depende da intenção do chef”, afirma Siqueira. “Tem quem não goste de colocar preto sobre preto, por exemplo, porque não dá destaque à comida. Mas, às vezes, o chef está mesmo a fim de fazer uma coisa mais monocromática. Ou, por exemplo, chefs que servem receitas vegetarianas, que já são coloridas, querem colocar mais cor ainda na louça”.

Tadashi Shiraishi, chef do Kinoshita, gosta tanto de escolher louças que até as desenha ao lado dos ceramistas. “Acho que, quando bem usadas, as louças coloridas vão bem com qualquer receita. Eu gosto de usar cores mais neutras, mas acho divertido quando me deparo com montagens em louças de cores vibrantes. Para mim, é inesperado e muito educativo!”, diz.

Sobremesa do Kinoshita: ganache branca, praliné, feuilletine e trufa branca (Foto: Divulgação)


Uma ajuda extra

Já pensou em tentar cortar uma carne em um prato pequeno demais? Ou tentar manusear uma faca grande em um prato fundo? Fica bem difícil! Pois é: a louça também influencia diretamente na funcionalidade do prato.

“Eu acho que o erro na escolha da louça está aí: na funcionalidade”, diz Shin. “Por exemplo, os coreanos comem com hashi e colher… Se eu escolho um prato raso para uma receita que precisa comer com colher, então ele não é funcional”.

Para Shiraishi, a questão ainda vai além: é preciso pensar na harmonia da mesa toda. “Alguns exemplos que levo em conta é o tamanho da mesa, a logística da sala, como se empilham, como interagem com talheres, se riscam ou se fazem muito barulho ao chegar à mesa, se sujam ou mancham com facilidade”, afirma. Complexo, não?

Cesar Costa, chef do Corrutela, concorda que tudo precisa ser muito - mais muito! - bem pensado. “Uma louça mal escolhida pode ser um desastre e não trazer conforto para o cliente”, diz. “Tudo conta: tamanho, formato, toque, cor, textura”.

Pratos do Corrutela (Foto: Divulgação)


Diga-me que louças tens… e te direi quem és

Se, até aqui, você já está achando que escolher louça é difícil, prepare-se: nós vamos ainda subir um nível de dificuldade! Porque a louça também precisa seguir o conceito do restaurante - para que, afinal, ela tenha harmonia com tudo, desde o ambiente até a comida.

No Komah, Paulo Shin escolheu cerâmicas coreanas, para acompanhar sua gastronomia. “Minha ideia também é ter um enxoval de louças, que sejam bem diferentes umas das outras, para ter um ar mais caseiro”, diz. “Quando abri o restaurante, trouxe muita louça da minha casa, da casa da minha mãe, da minha irmã… elas também continuam no Komah!”, conta.

E a louça pode mesmo fazer com que o cliente se sinta em casa ou até ter a sensação de que está em outro país. Shiraishi, por exemplo, escolheu para o Kinoshita louças do Japão. “Muitas das peças foram trazidas de diversos lugares do país, em especial de Arita, uma região conhecida pela qualidade, desenhos e delicadeza única das louças”, diz. “Acho que essas peças nos conectam ao Japão. Isso é importante quando a intenção da receita é fazer com que as pessoas se sintam como se estivessem em um restaurante em Kyoto”.

Em algumas casas, é possível escolher as louças seguindo tendências. Pedro Siqueira, do Puro, percebeu que peças de barro estavam em alta e decidiu usá-las - mas sem se esquecer do conceito do restaurante. “Escolhi peças de barro clássicas, de um marrom mais claro, que lembram as cerâmicas antigas. Acho que esse tom fica mais clean, mais chique e combina mais com o conceito da casa”, afirma.

E quando o restaurante tem proposta sustentável e ainda trabalha com menu sazonal, que muda de tempos em tempos? Cesar Costa tem o desafio de escolher suas peças pensando em tudo isso. “Sempre seleciono louças mais versáteis, que podem se adaptar melhor a todo tipo de receita, já que elas sempre mudam”, diz.

E, claro, não adiantaria nada cozinhar de forma sustentável, se as louças não acompanharem o conceito. “Escolhi uma empresa que desenha e produz louças de forma artesanal e familiar”, revela. “Temos uma relação direta com essas pessoas, o que faz toda a diferença”.

Agora, você já sabe: a louça que chega à sua mesa também foi escolhida com muito carinho. E ela faz muito mais do que deixar a foto do Instagram bonita ;)

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