Reportagens 3 minutos 17 Maio 2023

Chanfana, a comida de conforto que conquista gerações

A Chanfana é um prato típico português, originário das serras da región Centro de Portugal. O que torna este prato tão especial é a forma lenta e cuidadosa com que é confecionado. A carne de cabra, de preferência velha, é marinada em vinho tinto, alho, sal, louro e pimenta preta ou pimentão por, pelo menos, 24 horas e depois cozinhada lentamente num forno a lenha, outrora comunitário, no interior de um caçoilo de barro preto ao longo de cerca de 4 horas, resultando em aromas e sabores intensos.

Não há dúvida que a lentidão é essencial para o sucesso e o processo da Chanfana, várias horas de confeção garantem uma textura bem tenra e suculenta. Este processo permite que todos os ingredientes se misturem harmoniosamente e que o sabor da carne seja profundamente infundido com o sabor do vinho tinto e das especiarias. O barro preto do caçoilo também garante que o posterior arrefecimento seja extremamente lento e complexo dando ainda maior sabor e textura à Chanfana.


Além de ser um prato delicioso, a Chanfana é uma forma de valorizar a produção de cabras, atividade tradicional em muitas regiões humildes de Portugal, e trazer mais rendimento e reconhecimento aos produtores locais. A valorização dos produtos da terra ajuda a preservar as tradições e o património cultural dessas regiões ameaçadas, criando novas oportunidades de negócio e emprego nas regiões mais desfavorecidas.

Chef Diogo Rocha © Mesa de Lemos
Chef Diogo Rocha © Mesa de Lemos

O Chef Diogo Rocha - da Mesa de Lemos -, que conhece a Chanfana desde criança e a confeciona repetidas vezes, destaca a importância social do prato e a marca que deixou na sua memória, "a Chanfana é um prato de partilha e de família, sempre associado a momentos e dias de festa que tem como ingrediente principal uma carne aparentemente menos nobre, cabra velha, que apelou à criatividade e desafiou a normalidade como contam as lendas associadas. Dentro da região Beirã, verá que a receita muda em função do lugar, mas com a certeza que o vinho tinto é o parceiro inseparável. A utilização de barro negro e o tradicional forno a lenha, que até pode ser comunitário, é também um requisito de autenticidade. A sua capacidade de guarda permite a sua conservação por longos períodos depois de confecionada, o que já teve uma enorme importância em dias passados. Na Beira não há quem não reconheça uma caçoila de Chanfana. A identidade e cultura gastronómica permanecem sempre que à volta da mesa existam histórias para contar sobre o que comemos e com essa naturalidade a promovemos. A região é rica em pratos de conforto e de forno que tão bem estão representados nesta iguaria."


Na nova procura pelos sabores tradicionais, a Chanfana é já um prato muito apreciado pelos jovens, que finalmente deram conta da riqueza do prato. O seu sabor intenso é cada vez mais bem aceite. Para acompanhar a Chanfana, são recomendados ingredientes simples como batata cozida, arroz branco e couve salteada. Quanto à seleção de vinhos a conjugar, o Chef Diogo Rocha recomenda: "a harmonização com vinhos tintos é a opção mais indicada, até por ser um ingrediente principal na receita. Castas como a Baga, Touriga Nacional, Tinta Roriz da Região do Dão e da Bairrada irão com certeza fazer um acompanhamento equilibrado".

Mesa de Lemos, em Silgueiros © Mesa de Lemos
Mesa de Lemos, em Silgueiros © Mesa de Lemos

O Chef conta-nos ainda que no seu Mesa de Lemos este e outros pratos estão sempre presentes no menu, "a minha referência é a cozinha tradicional portuguesa e esses são os meus sabores e memórias gustativas, na construção do menu é a inspiração. Sem ser propositado e de forma quase inata vejo semelhanças entre os pratos que faço e os sabores tradicionais". E continua "não gosto da desconstrução de receitas, principalmente emblemáticas e que dizem tanto a tanta gente. A sua inspiração pode levar-nos a outra receita mas nunca a outra Chanfana. Este é um prato que me transporta para o seio familiar e de conforto que tanto gosto, relembrar-me das caçoilas de barro preto é relembrar-me também de bons momentos em festa".

Naturalmente, esta iguaria inicia agora a senda da internacionalização. O Chef Nuno Mendes, no seu restaurante Lisboeta em plena cidade de Londres (East London), apresenta também a sua Chanfana, num verdadeiro roteiro pela comida tradicional portuguesa. O Chef apostou muito recentemente num novo espaço, desta feita no Porto, através do “Cozinha das Flores”, onde se irá celebrar a gastronomia do norte do país, e como tal, também, de muitos pratos de conforto, caldeiradas e comida de tacho.

Restaurante Lisboeta em Londres © Eleonora Boscarelli – Lisboeta
Restaurante Lisboeta em Londres © Eleonora Boscarelli – Lisboeta

Além de ser um prato gastronómico, a valorização da cabra também tem sido cada vez mais considerada, como um elemento de conservação da paisagem, de controlo de incêndios, contribuindo para a segurança das populações locais e para a preservação da natureza. A Chanfana é uma verdadeira obra-prima culinária que mostra que a sustentabilidade, a paciência e a tranquilidade são valores essenciais para se alcançar algo verdadeiramente especial e duradouro.


Existem diversos eventos promocionais da Chanfana no Centro de Portugal, como as Semanas da Chanfana em Vila Nova de Poiares no mês de janeiro e em Miranda do Corvo no mês de abril, assim como o Festival Gastronómico da Chanfana na Lousã que decorre normalmente em fevereiro.


É importante destacar a existência da Confraria da Chanfana, uma associação que se dedica a promover e valorizar este prato tão especial. Fundada em 2001, a Confraria da Chanfana tem como objetivo salvaguardar e divulgar a Chanfana, bem como apoiar os produtores locais e promover a cultura gastronómica da região. Através de eventos, degustações e outras iniciativas, a Confraria tem sido uma grande aliada na valorização da Chanfana e na promoção do turismo gastronómico nas regiões do Centro de Portugal.


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Foto de cabeçalho: Chanfana © GettyImages

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