Notícias 4 minutos 06 Março 2025

Gastronomia e vinho: a identidade portuguesa servida à mesa

Em debate, especialistas reforçam a ideia de que Portugal se descobre pelo paladar, uma porta para valorizar o território e preservar as tradições.

Reunir chefs, sommeliers e enólogos para falar de vinho e gastronomia pode render sempre conversas muito inspiradoras. No último dia 18 de fevereiro, o Guia MICHELIN, em parceria com Visit Portugal e Visit Porto e Norte, reuniu oito dos melhores profissionais de distintas áreas para abordar como esses dois elementos não apenas enriquecem a experiência sensorial de quem adora comer e beber, mas também exercem um papel fundamental na cultura e no turismo em Portugal.

O histórico Theatro Circo de Braga, na cidade do Norte de Portugal, foi o palco deste encontro, moderado pelo jornalista Luís Castro. O painel reuniu o produtor de vinho Dirk Niepoort (Niepoort Vinhos), o enólogo Luis Sottomayor (Sogrape), a sommelier e diretora de vinhos Elisabete Fernandes (do The Yeatman, com duas Estrelas MICHELIN), o crítico de vinhos Luis Gutiérrez (de Robert Parker Wine Advocate), o enófilo Marcos Lagoa, o chef Pedro Lemos (do restaurante homónimo, com uma Estrela MICHELIN), o jornalista Manuel Carvalho (Público) e Lídia Monteiro, do Conselho Diretivo do Turismo de Portugal.

Este debate, com o tema "Gastronomia e Vinho", fez parte das atividades que antecederam a Gala do Guia MICHELIN Portugal, realizada no dia 25 de fevereiro, no Porto, e foi posteriormente transmitido em dois programas distintos pelo Sociedade Civil, da RTP2, do qual Luís Castro é apresentador, disponíveis nos links abaixo.



No palco do Theatro Circo, de esquerda a direita: Manuel Carvalho, Luís Sottomayor, Dirk Niepoort, Lídia Monteiro, Luís Castro, Pedro Lemos, Elisabete Fernandes, Marcos Lagoa e Luis Gutiérrez.
No palco do Theatro Circo, de esquerda a direita: Manuel Carvalho, Luís Sottomayor, Dirk Niepoort, Lídia Monteiro, Luís Castro, Pedro Lemos, Elisabete Fernandes, Marcos Lagoa e Luis Gutiérrez.

A relação entre gastronomia e vinho

“Não há gastronomia sem vinho”, afirmou Luis Gutiérrez, que avalia vinhos portugueses para a Wine Advocate, uma das principais publicações do setor, estabelecendo o tom deste encontro que se seguiu por mais de duas horas. Em seguida, o produtor Dirk Niepoort aqueceu a conversa ao perguntar ao chef Pedro Lemos (também à frente do Bonfim 1896 with Pedro Lemos, Recomendado pelo Guia MICHELIN) se os chefs, em geral, têm medo de que o vinho roube o protagonismo às suas cozinhas. Lemos respondeu que não, que os dois precisam estar de mãos dadas. Para ele, o vinho constituiu um elemento essencial na sua trajetória: “Nos sítios por onde passei, o vinho sempre teve um papel fundamental. A nossa missão nos restaurantes é procurar o melhor que as nossas regiões podem produzir — no prato e no copo”, declarou.

No entanto, a relação entre chefs e vinhos nem sempre é tão próxima, como destacou o enófilo Marcos Lagoa: “Há chefs que não têm a preocupação de conhecer o vinho. Para eles, o vinho é um trabalho do sommelier, e nem sempre se envolvem nas escolhas”. Lemos discordou: “Não faz sentido o vinho andar para um lado e a gastronomia para outro. Só acredito na gastronomia acompanhada de bom vinho”.

O jornalista duriense Manuel Carvalho, que também se debruça sobre o tema dos vinhos no jornal Público, afirmou que os melhores vinhos são aqueles que conseguem manter um diálogo com a gastronomia. “A comida e o vinho são indissociáveis e fazem parte da dieta de muitos países europeus, como Portugal. No nosso caso, o vinho foi essencial para fortalecer o discurso sobre a identidade nacional”, disse. Ele destacou ainda o papel do empreendedorismo dos pequenos produtores a partir dos anos 1980 na preservação de certas tradições gastronómicas.

Proposta do restaurante The Yeatman, que conta com uma das melhores garrafeiras de Portugal © The Yeatman/The Yeatman
Proposta do restaurante The Yeatman, que conta com uma das melhores garrafeiras de Portugal © The Yeatman/The Yeatman

Vinho e identidade nacional

O debate avançou para a importância do vinho como reflexo do território e da cultura de um povo. Segundo Lídia Monteiro, do Turismo de Portugal, essa conexão é essencial para o enoturismo. “Gastronomia e vinho são reflexos do território. Transportam-nos para uma experiência única e fazem com que nossas regiões sejam escolhidas como destino”, afirmou, realçando também o impacto do vinho no turismo.

A sommelier Elisabete Fernandes, do The Yeatman, reforçou essa ideia ao destacar o papel dos profissionais do setor na valorização dos vinhos locais: “Somos curadores do território. Ter uma carta de vinhos não é apenas ter grandes nomes ou rótulos, mas também contar as suas histórias e tradições”, disse. “Na nossa carta, 94% dos vinhos são nacionais e apenas 6% internacionais, porque achamos que precisamos valorizar o que é nosso. E Portugal tem opções para todos os gostos”, concluiu.

Para Dirk Niepoort, não existe vinho sem uma visão mais ampla do território, no sentido de que cada garrafa representa uma história, não apenas pelas uvas que a compõem, mas também pelas pessoas que a produzem. A Niepoort foi uma das primeiras vinícolas a produzir vinhos tranquilos no Douro, mostrando o potencial da região além dos Vinhos do Porto. “Somos nós quem devemos entender o potencial e extrair dos nossos territórios aquilo que eles têm de melhor”, afirma ele.

Um bom prato deve sempre ser acompanhado por um bom vinho © grupo Cafeína/Cafeína
Um bom prato deve sempre ser acompanhado por um bom vinho © grupo Cafeína/Cafeína

A riqueza da diversidade como património gastronómico

A diversidade do país foi um dos temas centrais abordados pelos especialistas, tanto no que diz respeito aos vinhos quanto à gastronomia portuguesa. “Uma das coisas mais bonitas do mundo do vinho é a diversidade”, disse Luis Gutiérrez. “Seria estúpido estarmos presos a um único estilo”. Na sua opinião, um vinho que pode ser replicado em qualquer lugar não tem identidade territorial, e Portugal, neste sentido, destaca-se por ter regiões variadas e únicas, o que fortalece o seu panorama enogastronómico.

Lídia Monteiro complementou ao ressaltar a riqueza da cozinha portuguesa: “Temos o melhor peixe do mundo, com o mar a marcar fortemente a nossa gastronomia. Mas, ao mesmo tempo, temos muitos outros produtos, como o arroz, que é parte integrante da nossa mesa e pouco falamos sobre isso. O pão, por exemplo, tornou-se um símbolo da nossa generosidade. A forma como recebemos e partilhamos a mesa é muito valorizada por quem nos visita. A nossa diversidade é ímpar”, afirmou.

Da esquerda para a direita, Lídia Monteiro, Luís Castro, Pedro Lemos, Elisabete Fernandes, Marcos Lagoa e Luis Gutiérrez.
Da esquerda para a direita, Lídia Monteiro, Luís Castro, Pedro Lemos, Elisabete Fernandes, Marcos Lagoa e Luis Gutiérrez.

O papel do vinho no turismo

A conversa também abordou o impacto do vinho e da gastronomia na experiência turística. Luís Sottomayor, enólogo da Sogrape, destacou que, mais do que pontuações elevadas, o maior elogio para um produtor é ver as suas garrafas a serem consumidas nos restaurantes. “Melhor do que boas notas é chegar a um restaurante e ver a mesa ao lado a consumir o vinho e, eventualmente, pedir outra garrafa”, disse. “Estou muito seguro que o futuro da enologia portuguesa é a qualidade”, assegurou.

Por fim, o debate reforçou o papel do enoturismo como uma ferramenta poderosa para fortalecer a cultura e o património português. “O enoturismo é um produto turístico que acrescenta uma camada cultural, patrimonial e sensorial à experiência de quem nos visita”, afirmou Monteiro. “Falamos de hospedagem, de serviço, de mostrar como o vinho pode ser uma porta aberta para conhecer melhor um país”, concluiu.

No palco do Theatro Circo de Braga, a conversa não foi apenas sobre a sinergia entre vinho e gastronomia como elementos de hedonismo, mas também na sua função enquanto vetores de identidade, turismo e memória — tudo aquilo que está sempre sobre a mesa.


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Foto de capa: O restaurante Real by Casa da Calçada, no Porto, tem uma garrafeira impressionante, repleta de vinhos de excelência © LF/Real by Casa da Calçada

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