Perfis 2 minutos 26 Novembro 2020

O prato da minha vida

Chefs de restaurantes MICHELIN contam qual receita mudou suas vidas e suas carreiras

Todo mundo tem um prato que marcou a vida. A macarronada da mãe, a torta de maçã da avó, a primeira receita que fizemos sozinhos na cozinha. Ou aquela comida que emocionou, durante uma viagem, em um lugar especial. Ou, ainda, uma receita inusitada, diferente do que estamos acostumados. Com os chefs, também é assim. Por isso, perguntamos a eles qual receita marcou a vida ou mudou completamente suas carreiras.

A memória afetiva teve importância fundamental para a chef Janaína Rueda, do Bar da Dona Onça. Nas festas de família, nas comemorações com os amigos e até na quadra de samba da escola Vai-Vai, um prato tradicional brilhava: a feijoada!

“A feijoada me faz pensar que sou brasileira, traz o gosto do Brasil e une todos nós”, diz Janaína. No Bar da Dona Onça, o prato faz sucesso: servido às quartas e aos sábados, vem com carnes frescas, linguiças artesanais de porco caipira, arroz branco, couve, tartar de banana e farofa.

Para Cafira Foz, do Bib Gourmand Fitó, a memória afetiva também tem peso: tanto lembranças de sua terra natal quanto de viagens internacionais. “A paçoca, um dos pratos mais pedidos hoje no Fitó, é um clássico da minha terra, das minhas memórias e da minha vida”, declara. A receita leva carne de sol desfiada, cebola roxa, farinha de mandioca e manteiga de garrafa.

Na França, Cafira foi arrebatada por um sabor um tanto brasileiro. “Foi em Lyon, em um restaurante tailandês. Não lembro do nome do prato, nem do seu preparo. Mas lembro bem do coentro, do leite de coco, da cúrcuma, ingredientes muito nossos, ali do outro lado do mundo, me transportando imediatamente para as cozinhas da minha infância, no Nordeste. Me emocionei tanto que entendi, naquela refeição, que eu era uma cozinheira”.

Uma lembrança querida também define a escolha do sushiman Edson Yamashita, chef do Ryo Gastronomia, que possui duas estrelas MICHELIN. O chamado assari no hiyashidjiru é uma sopa gelada de vôngole, popular no Japão em épocas quentes do ano. “Quando eu tinha 16 anos, fazia estágio no Japão. Esse foi o primeiro prato pelo qual eu fui responsável. A base de preparo é muito simples, porém ele é profundo em detalhes técnicos e paciente ao tempo”, diz.

Yamashita passou um ano fazendo a sopa sob a supervisão de superiores e, em seu segundo ano, já assumiu o preparo do prato sozinho. Ele conta que a receita fez com que ele percebesse que o segredo e a filosofia da culinária japonesa tinham vários aspectos - não apenas corporal e mental, mas espiritual também. “Foi quando eu fiquei determinado a virar chef!”, conta. “Desde então, me disciplinei em entregar todos os dias o meu melhor em todos os sentidos. Atenção nos detalhes, não só no trabalho mas como pessoa, para toda vida”.

Mas o prato da vida também pode ser uma receita inusitada, diferente de todas as que o chef estava acostumado a preparar. Foi o caso de Tuca Mezzomo, chef do Bib Gourmand Charco. Habituado a trabalhar com carnes, Tuca afirma que o prato que marcou sua vida é… vegetariano!

“Quando abri o Charco, as carnes tinham um protagonismo muito grande. Por sermos gaúchos, as pessoas vinham acreditando que nós éramos uma casa de carnes”, lembra ele. “Mas fiquei assustado com a quantidade de carne que precisávamos manipular para atender a demanda. E comecei a questionar o motivo desse consumo exacerbado de proteínas animais”.

O chef decidiu, então, buscar receitas alternativas que pudessem reconstruir o sabor da proteína, só que com ingredientes vegetais. “Textura, caramelização, defumação, untuosidade... são notas sensoriais presentes em pratos de carne, então busquei transpor essas notas”, afirma. “Depois de muitos testes chegamos neste prato: cogumelos tostados, abóbora defumada e espuma de parmesão”.

O prato fez tanto sucesso que acabou sendo um dos mais pedidos no Charco. Os clientes entenderam que, com uma receita assim, a carne não faz falta. “Isso abriu os nossos olhos para o trabalho com vegetais na brasa, uma infinidade de possibilidades, quando você tira a carne do protagonismo. As carnes seguem com força no nosso trabalho, porém o consumo diminuiu, se tornou mais consciente, mais preciso”, afirma Tuca.

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