Costumam ser o acompanhamento e raramente o destaque de uma receita. Falamos dos vegetais e das leguminosas, cuja textura, sabor e variedade sempre pareceu ofuscada pela proteína animal em destaque no prato — ora carne, ora peixe. Mas os tempos mudam e por questões de sustentabilidade, de saúde ou de ideologia, as dietas vegetarianas ganham terreno e existem cada vez mais ofertas de qualidade espalhadas por Lisboa. Escolhemos cinco restaurantes de fine dining, nem todos vegetarianos de raiz, onde os verdes brilham com mais intensidade na carta.
Encanto
Não bastava incluir um menu 100% vegetariano em qualquer um dos seus restaurantes, José Avillez decidiu ir mais além. Abriu o Encanto, um restaurante nos quais os vegetais são as verdadeiras estrelas ao lado da Estrela MICHELIN que recebeu logo no ano da abertura, em 2022. Com um menu único, composto por cerca de 12 momentos, o Encanto faz uso dos ingredientes locais, maioritariamente biológicos. Alguns deles provêm da horta da Casa Nossa, a herdade que o casal José Avillez e Sofia Ulrich tem nas margens do Alqueva.O menu (135 € sem bebidas) inclui um Cozido de legumes de outono, Algas do Atlântico com pepino e folha de ostra, Arroz carolino com cogumelos selvagens, pera e “vieira” de cogumelo, entre outros. Na cozinha, como head chef, está Diogo Formiga, biólogo de formação tornado cozinheiro, que se dedica a estudar maneiras de transformar a restauração em algo mais sustentável e com menos desperdício. Biodiversidade é a palavra de ordem, com os pratos a serem redesenhados consoante os legumes da estação — também no bar a sazonalidade impera. De salientar que, no armazenamento dos alimentos, se tomam medidas amigas do ambiente, com a abolição da película aderente e a reutilização de recipientes para a congelação.
Arkhe
Chegou para mostrar que a cozinha vegetariana também pode, e deve, ser autoral e aspirar ao fine dining. O que parecia arriscado, num país tão dedicado à proteína animal, provou ter sucesso: os verdes também enchem o olho e o estômago. Receitas equilibradas, tecnicamente elaboradas e bonitas, fazem do Arkhe, do chef João Ricardo Alves e do sommelier Alejandro Chávarro, uma referência da gastronomia em geral e, em particular, da vegetariana. Talvez porque se dedique a ter substância até no nome, que deriva do grego e quer dizer isso mesmo: a substância da qual derivam todas as coisas existentes. É, pois, na origem, na natureza e na sua sazonalidade, que está o segredo.Com três menus ao almoço e dois ao jantar, tem uma particularidade: toda a mesa deve optar pelo mesmo menu no momento da refeição — o que implica que, além de escolher bem o menu, terá de selecionar bem os amigos! Dois dos menus são à escolha do cliente (o Descoberta, por 80 € sem bebidas, com 5 pratos; e o de Almoço, 58 € sem bebidas e 3 pratos), e o terceiro é à escolha da casa (a proposta, totalmente surpresa, chama-se Carta Branca, tem 7 pratos e custa 100 €, sem bebidas). Destaque para o wine clube, o Arkhave, com três possibilidades de subscrição, acessos a masterclasses e jantares com produtores. Para garantir o bem-estar da equipa, o restaurante está aberto unicamente de segunda a sexta.
Feitoria
Com uma Estrela MICHELIN, o Feitoria é um dos mais conhecidos restaurantes de hotel de Lisboa. Dentro do Altis Belém Hotel & Spa, tem uma vista privilegiada sobre o rio e está rodeado por belos vizinhos — desde os míticos Pasteis de Belém, com fornadas tão regulares quanto as filas à porta, ao melhor da arte contemporânea nacional, com o Centro Cultural de Belém e o MAAT a poucos metros.André Cruz está desde 2015 na cozinha do hotel, primeiro como sous-chef e, mais tarde, como chef principal. Quando não está à frente dos fogões, dedica-se à apicultura e ao foraging, a recolha selvagem de frutos, ervas e outros alimentos. Centrado no produto e nos produtores nacionais, o chef serve dois menus, o Folha e o Raíz, com as respetivas versões vegetarianas. São estas últimas que nos interessam agora: o menu Folha vegetariano apresenta oito momentos (140 €, sem bebidas), com destaque para o Tortellini com espinafres e cogumelos, para a combinação de Batata, gema, cogumelos e salsa ou para as Cenouras com cogumelos da estação e alho. Já o Raíz é em tudo igual, mas com menos um prato, o Arroz de grelos — e mais acessível (custa 120 €, sem bebidas).
Boubou’s
Detentor de um dos jardins interiores mais agradáveis da restauração lisboeta, ali para os lados do Príncipe Real, o Boubou’s faz comida de conforto com técnicas sofisticadas de fine dining, saltando à vista a beleza da composição. A responsável é Louise Bourrat, jovem que lidera a cozinha desde 2018, quando o restaurante abriu, e que o catapultou para a fama internacional ao vencer a edição de 2022 do programa francês Top Chef. A estrutura não poderia ser mais familiar: Alexis e Agnes são o casal por trás da ideia, sendo Louise irmã de Alexis.O Boubou’s tem dois menus de degustação autoexplicativos, o Omnivorous e o Terrae. Ambos podem ter sete ou 10 momentos (95 € ou 125 €, sem bebidas), mas o primeiro inclui carne e peixe, enquanto o segundo é estritamente vegetariano. O Boubou’s é, aliás, um restaurante que dá prioridade aos vegetais, seguindo a sua sazonalidade e proximidade, com um toque de ousadia. Não se admire se encontrar um prato de cogumelos com café e tremoço ou uma combinação de algas, feijão do mar e alface-do-mar.
Cura
É um tesouro dentro de um hotel que, por si só, é uma relíquia. O Cura (uma Estrela MICHELIN) fica no carismático Four Seasons Hotel Ritz Lisboa, que vale a visita para descansar, comer ou admirar as belíssimas tapeçarias de Almada Negreiros, concebidas especialmente para o estabelecimento nos anos 50. Chefiado por Pedro Pena Bastos, o Cura é um pequeno restaurante de autor, decorado cuidadosamente com elegantes madeiras e tons de dourado num projeto com assinatura de Miguel Câncio Martins. Aqui, a cozinha aberta parece oferecer um bailado clássico a cada serviço de jantar (com direito a toque blanche e tudo!).A carta, com cinco ou dez momentos, privilegia a sazonalidade e os produtos locais, podendo ser harmonizada com vinho ou bebidas não alcoólicas, como kombuchas, infusões e sumos. A experiência pode ser adaptada ao gosto vegetariano, com o menu Raízes, sem perder interesse ou arrojo — como no caso de um dos pratos de assinatura, servido só no verão, com figo, beterraba, lima e líquenes.
Imagem de capa: Caril verde | Legumes verdes | Citrinos verdes, de Encanto © Grupo José Avillez/Encanto