Graças ao “boom” de programas culinários na TV ocorrido na última década, chefs-celebridade como Gordon Ramsay, Jamie Oliver, Anthony Bourdain, Matt Moran e Tom Colicchio tornaram-se conhecidos entre cozinheiros amadores e telespectadores do mundo todo. Para além disso, termos do vocabulário gastronômico também se popularizaram no ambiente doméstico e, agora, até quem nunca pisou numa cozinha profissional sabe perfeitamente o que quer dizer sous vide e quenelle.
Não faz muito tempo, esses nomes e termos culinários seriam reconhecidos apenas por um pequeno grupo de elite. “Quando iniciei como aprendiz aos 16 anos, era apenas porque eu adorava cozinhar, não porque eu queria imitar alguém. Naquela época, ninguém conhecia os chefs pelo nome. Você só os conhecia se estivesse trabalhando na área”, diz o chef Manuel Berganza, que participa do programa “The Final Table”, da Netflix, um dos mais recentes títulos no gênero de competição de culinária.
Ao contrário de competições amadoras como o “MasterChef”, os participantes do “The Final Table” são chefs profissionais com restaurantes em todo o mundo, competindo não por um prêmio em dinheiro, mas pela oportunidade de sentar à mesa com nove dos maiores ícones culinários do mundo, incluindo Grant Achatz, do Alinea, três estrelas MICHELIN em Chicago, e Anne-Sophie Pic, do restaurante Maison Pic, também com três estrelas.
Cena do The Final Table (Foto: Reprodução)
Em vez de simplesmente ser puro entretenimento, mantendo-nos colados à telinha no horário nobre, esse tipo de programa está tornando a cultura gastronômica mais acessível ao público em geral, aumentando a conscientização e a apreciação pelo universo da culinária.
As competições de culinária da TV não apenas servem para descobrir novos talentos culinários, como também desempenham um papel importante na criação de uma geração de cozinheiros e comensais mais sofisticados.
"A cada temporada, o MasterChef se torna cada vez mais competitivo, por conta do nível dos participantes, que só aumenta. Essa é uma progressão natural, que mostra que o programa criou uma nação de cozinheiros que entende de produção e está empolgada por estar na cozinha ”, observa Audra Morrice, finalista da quarta temporada do MasterChef Australia e, hoje, juíza dos MasterChef Ásia e Cingapura.
“Para muitos, assim como eu, o programa foi uma jornada emocionante, que permitiu transformar totalmente a nossa vida. MasterChef é uma plataforma e oferece oportunidades. Abre portas”, concorda Morrice. Ela observa que nem todas essas portas levam à cozinha de um restaurante. Há muitos que se tornam administradores, consultores, produtores de livros de receitas, entre outros cargos inseridos no universo na gastronomia.
Jurados do Masterchef Cingapura (Foto: Masterchef)
Já Woo Wai Leong, vencedor de uma das temporadas do MasterChef Ásia, passou a fazer jantares privados antes de abrir um restaurante em Cingapura. “Ainda estou aprendendo todos os dias, mas não posso descartar que, se não fosse o programa, eu não chegaria aonde sou tão rapidamente. Foi realmente o catalisador para onde estou hoje”, reconhece.
Quebrando barreiras entre a cozinha e o salão
Com o público cada vez mais antenado nos restaurantes da grande mídia, não é, portanto, exagero atribuir a tendência das cozinhas abertas e das mesas de chef à curiosidade gerada pelos programas TV e à ascensão dos chefs-celebridades.
“A cena gastronômica se tornou uma experiência, um show. Mais restaurantes têm cozinhas abertas para gerar mais interação entre os chefs, a cozinha e os clientes”, diz Leung, que abriu recentemente o 15 Stamford By Alvin Leung, que possui uma cozinha aberta de última geração abrangendo todo o comprimento de seu restaurante. "Antigamente, você cozinhava em uma cozinha cega e não via o que estava acontecendo lá fora. Você não via os sorrisos nos rostos das pessoas apreciando sua comida. Agora a gente vê tudo isso e é motivador."
Colocar os chefs no pedestal também significa que o escopo de trabalho de um cozinheiro hoje é muito diferente do que uma década atrás. Woo diz: “Espera-se que estejamos na cozinha, dando atenção aos nossos clientes, gerenciando os negócios, e que ainda encontremos tempo para projetos externos como shows no exterior, colaborações, execução de mídias sociais. Jovens cozinheiros são expostos a essas histórias de sucesso, mas não estão sendo preparados para o que isso realmente implica para eles na vida deles.”
“O maior problema hoje em dia é que muitos chefs pensam na TV antes de pensar em cozinhar. Você precisa acertar suas prioridades, caso contrário terá uma fama de curta duração. A TV teve um grande impacto na cena gastronômica. É bom para jantar, é bom para chefs. Atualmente, o sonho de todo mundo é ter estrelas MICHELIN e participar de um programa de TV ”, diz Leung. “Mas acho que, no final do dia, eles precisam lembrar que cozinhar é o começo e o fim. Todo o resto, dos elogios à fama, são apenas a cereja no topo do bolo.”