Alguns chefs levam ao pé da letra a expressão “arte culinária” na hora de criar receitas: antes de pegar sua faca ou qualquer outro utensílio culinário, eles sacam a caneta para colocar suas ideias de empratamento no papel. Quatro desses “Picassos da gastronomia”, todos com restaurantes nos Estados Unidos, contam como um desenho pode ajudar no processo criativo, elevando o visual de um prato para outro nível. Confira a seguir.
Flynn McGarry, Gem (NY)
Desenhar é a forma que McGarry prevê os possíveis problemas de um prato, antes mesmo de prepará-lo pela primeiro vez. Através do desenho ele determina qual o melhor corte para a proteína, onde os demais componentes devem ser acomodados no prato e quanto de cada ingrediente deve ser utilizado. “É uma forma de colocar meu cérebro para funcionar”, revela. Com papel e caneta à mão, as ideias vão surgindo rapidamente -- o chef não é perfeccionista em relação aos traços do desenho, que na maior parte das vezes vai parar no lixo.
Essa amuse bouche (foto abaixo) surgiu da ideia de fazer tortinhas que imitassem girassóis. A massa, recheada com manteiga de girassol, foi incrementada com elementos em tom de terra: patê de fígado de frango, creme de milho e purê de cogumelos. A intenção, como mostra o rascunho do chef, era servir as tortas em um mar de sementes.
“Esse prato surgiu pelo visual, então levou algum tempo para conseguir ajustar o seu sabor”, conta McGarry. “Depois de descascar muita semente de girassol, o prato finalmente saiu como eu tinha imaginado.”
Jesus Nuñez, Sea Fire Grill (NY)
Antes de virar chef de cozinha, Nuñez era grafiteiro - e, agora, ele aproveita sua habilidade com os desenhos para criar pratos supercoloridos, que saltam aos olhos. “O aspecto visual é muito importante”, o chef acredita. “Antes de tudo, come-se com os olhos.”
Com canetinhas coloridas e papel branco, Nuñez desenha o prato para mostrar a sua equipe o que está imaginando. “O esboço é o primeiro passo”, conta. “Depois provamos e vemos o que está faltando.”
A apresentação desse polvo (foto acima) pega emprestadp o empratamento clássico da receita galega com batatas e páprica. Partindo desse ponto, o chef grelhou o tentáculo e incrementou o prato com guarnições bem coloridas - molho romesco avermelhado, ervilhas verdejantes, batatas roxas e tomatinhos amarelos. “A única coisa que mudou do desenho até o empratamento final foi a quantidade de cada ingrediente e a intensidade do sabor defumado do polvo.”
Eddy Leroux, Daniel, duas estrelas MICHELIN (NY)
Primeiro vem a ideia, que, logo depois, é transformada em desenho no iPad Pro. “O bom do tablet é que você pode desenhar e apagar quantas vezes quiser até chegar na versão final do prato”, afirma Leroux. “Gosto de ter uma ideia claro de como a receita vai ficar no prato para não perder tempo.”
Assim que a idealização do prato é transformada em pixels, Leroux compartilha o desenho por email com sua equipe. No dia seguinte, todos discutem o modo de preparo e a divisão de tarefas. E o prato, mesmo depois de finalizado, vai sendo modificado ao longo da temporada - e já que as receitas ficam em cartaz por, no máximo, oito semanas no menu, Leroux salva todos os seus desenho para que possa usá-los como referência sempre que necessário.
Sua viagens, seu treinamento e o que há de fresco na despensa guia Leroux na criação de novos pratos. Um deles (foto acima) veio do estalo de usar manteiga de trigo sarraceno da marca Le Beurre Bordier para grelhar as vieiras servidas com molho trufado “pingado” no prato. Alcachofra em três versões (frita, confitada com manteiga e vinagre de cereja, e no purê) e salada de agrião complementam o prato “instagramavel”.
Ryan Ratino, Bresca, uma estrela MICHELIN (Washington, DC)
“Me acho péssimo como desenhista”, afirma o chef, que sempre tem à mão um caderno para anotar suas ideias. Seus pratos quase sempre partem de uma lista de ingredientes. Nesse caso (foto abaixo), codorna, brotos, ruibarbo e cebolinha - combinação inspirada em um prato que Ratino comeu no restaurante A.T., em Paris. Assim que ajustou o sabor, o chef criou um rascunho para pensar na proporção dos elementos e na disposição de cada um deles no prato em favor da estética. “Desse jeito consigo visualizar o prato em vez de ficar montando tudo na cabeça”, diz.
Organizar o processo criativo dessa maneira é bastante proveitoso para Ratino. Seus pratos, quando finalizados, ficam realmente muito parecidos com seus desenhos, que servem de guia para reprodução por parte da equipe na hora do empratamento. Mas, mesmo focado no aspecto visual, Ratino procura lembrar-se que a aparência não é tudo. “Só porque um ingrediente não é bonito não quer dizer que não seja delicioso”, afirma o chef. “Tenho tentado, aliás, não mexer na forma natural dos produtos para apresentá-los do jeito que realmente são.”