Perfis 3 minutos 28 Julho 2021

Salve, simpatia

Três anfitriões revelam o que faz um atendimento ser inesquecível

Sair de casa para comer é um evento excitante por si só. Queremos ser surpreendidos, ficar felizes e bem alimentados: essa é a promessa do passeio. 

Da expectativa à realidade, contudo, há uma distância considerável a percorrer. Tudo pode acontecer. Da escolha do restaurante até o momento de pedir a conta, uma infinidade de detalhes coloca o jantar (ou almoço) à prova. E quem está lá, pronto para garantir que a experiência seja realmente inesquecível, muitas vezes, é o maître.

É ele quem recepciona e acompanha, à distância e com olhos de lince, todo o balé da refeição. Coordena a equipe no salão, inspeciona o serviço nas mesas, espia e controla os ânimos de quem ainda espera na fila para entrar.

Conversamos com dois dos mais antigos maîtres de São Paulo e o chefe de fila de um restaurante disputadíssimo no Rio de Janeiro sobre as dores e as delícias da função. Os três foram unânimes em dizer que nada supera o poder do sorriso, logo no começo do atendimento.

João Boaventura do Nascimento, maître da Brasserie Victoria, em São Paulo. Foto: Arquivo Pessoal

João Boaventura do Nascimento está há quase 40 anos na Brasserie Victória, Bib Gourmand de culinária árabe de São Paulo. Lembra até da data em que começou no emprego: 27 de dezembro de 1982. Admite que provavelmente já viu de tudo, e hoje tem orgulho em receber os mais jovens. “Atendia os bisavós de quem frequenta hoje o restaurante. Conheci e continuo atendendo as famílias que sempre frequentaram a Brasserie Victória”, conta ele.

Cearense de Acaraú, João sempre trabalhou no ramo da hospitalidade. Antes, trabalhou em hotéis e teve uma rápida experiência com coquetelaria no balcão de um bar. Mas encontrou-se de verdade no atendimento ao público, recepcionando a clientela.

Os longos anos no comando do salão da Brasserie Victória o fizeram ter a certeza de que o segredo do bom serviço e o que faz o cliente voltar se resumem a uma palavra: cuidado. “Receber quem chega com alegria é importante, mas precisa ter jeito para deixar o cliente a vontade e não trazer constrangimento ao cliente”, diz.

Há uma série de etapas a serem cumpridas - acomodar bem a todos, anotar pedidos, registrá-los e cuidar para que sejam preparados em tempo adequado. Servir bebidas, acompanhar o serviço dos garçons e ajudar a servir os pratos, além de cuidar do clima geral da casa.

“Em tudo isso, a gente tem de tratar o cliente da melhor forma possível, ir à mesa para conquistá-lo, e estar atento a qualquer clima estranho. Comigo, nunca soube de alguém que saísse insatisfeito. Fico feliz quando um cliente passa por aqui e diz ‘Vim para comer, mas vim mais para rever você’”, garante João.

Esperar ninguém quer
O maior desafio, conta João, começa ainda antes do primeiro pedido. A indesejada fila é pedra no sapato e pode azedar, prematuramente, a relação afetuosa entre maître e cliente.

“O segredo é ir conquistando com as palavras”, diz João. “A depender do clima e da quantidade de público, mando trazer uma esfiha, ofereço uma bebida.” 

Valdeci Pereira Gomes, outro longevo maître que atende a porta do Ici Bistrô desde a inauguração deste O Prato MICHELIN, em 2002, pensa parecido. “Não gosto de mentir para o cliente. Sou honesto sobre o tempo de espera, e até costumo exagerar um pouco. Melhor assim, porque se uma mesa vagar e ele entrar antes, fica mais contente”, explica ele.

Gomes, como é conhecido, passou antes pelo A Figueira Rubaiyat, O Prato MICHELIN também de São Paulo. Ele conta que a chegada ao restaurante quase sempre é momento de tensão, principalmente para quem faz sua primeira visita à casa: “existe uma ansiedade natural de se conhecer algo novo”.

“Adoro trabalhar com público, com gente. Se me colocarem num escritório, fico doente”, brinca ele, que costuma compreender o cliente já no primeiro contato.

No Ici, segundo Gomes, quase a grande maioria da clientela é cativa. A amizade é tão firme com alguns frequentadores que ele tem contado com a ajuda de muitos em um belo projeto, o Talentos do Capão, que reúne crianças carentes em torno de um objetivo: se tornar atleta nadador.

Ao alcance da vista
Francisco Robert Mesquita Duarte tem 28 anos e uma enorme responsabilidade: coordenar a fila de espera do Aprazível, O Prato MICHELIN que fica no topo do bairro de Santa Teresa, no Rio.

Francisco Robert Mesquita Duarte, chefe de fila do Aprazível, no Rio. Foto: Arquivo Pessoal

Robert chegou ao Aprazível com 19 anos. Depois de trabalhar como cumim e garçom no restaurante, acabou substituindo o maître antigo da casa. Divide a função com mais um chefe de fila, que trabalha com ele o turno da noite - outro funcionário desempenha a função na hora do almoço.

Como chefe de fila, tem função semelhante à dos maîtres. Recepciona clientes, ajuda a levá-los à mesa, tira pedido, resolve qualquer problema de atendimento. E, primeiro de tudo: fala seu nome, apresenta-se, pede o nome do visitante. Faz questão de estabelecer ali uma conversa amistosa. “Junto com o cardápio na ponta da língua têm que vir o sorriso e a educação, né?”, conta ele, que também gosta de contar a quem chega a história da casa.

Mas sim, há disputa por mesas. A vista de cair o queixo leva muitos turistas, brasileiros e estrangeiros, ao topo do morro para contemplar o Rio em sua majestade. “Geralmente a fila é grande, então a gente tenta priorizar as reservas”, afirma, lamentando. Mas Robert é categórico: uma vez acomodada, a clientela se lança feliz ao programa de comer bem. Muito bem. E com certeza, voltará outras vezes!

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